Suécia. Através do projeto “PhycoFiber, desbloqueando a revolução das algas rumo a uma indústria da moda regenerativa”, a cientista brasileira Thamires Pontes conquistou a atenção do mundo em premiação do Global Change Awards (CGA), reconhecido como o prêmio Nobel da Moda. O evento acontece anualmente, desde 2015, e premia soluções sustentáveis com potencial de revolucionar o mercado da moda e a indústria têxtil no mundo.
Thamires é brasileira, nascida em João Pessoa, Paraíba. Carismática, ela nos conta como sempre foi atraída por essas misturas de elementos que levam à ressignificação.
Gosto de falar que a abrangência da minha voz como criadora é muito maior trabalhando com tecido. Ao mesmo tempo, eu sempre quis ter meu próprio tecido. Não como uma propriedade perfeita.
Sempre me estimulou o fato de pensar em um material sob uma ótica diferente. Fibra de carbono com metal para deixar a bike mais leve. Fazer uma roupa a partir de fio de cobre, transformar gelatina em roupa, como fiz no início. Me fascinava a ideia de cozinhar o seu tecido, de pensar no têxtil fora do ambiente da moda.
Esse início foi no mestrado, onde a cientista de moda desenvolveu uma fibra têxtil biodegradável a partir do hidrocoloide presente em algas marinhas vermelhas. Para essa ideia se tornar um produto e parte da vida das pessoas, Thamires participou da iniciativa do CATALISA ICT, liderada pelo Sebrae, o que foi uma virada de chave em sua vida. Do programa, nasceu a Phycolabs, a primeira startup brasileira a vencer a premiação internacional criada pela Fundação H&M, ligada ao Grupo H&M, holding de marcas na Europa e EUA. Ela define a Phycolabs como uma startup de biotech focada em desenvolver e licenciar tecnologias à base de algas.
As algas existem de forma abundante no mar e são de extrema importância na produção de oxigênio e alimento para outros animais. É algo novo, que deve ser levado em consideração de forma séria, sem negligenciar o local, muito menos as comunidades locais. Ela tem alta taxa de crescimento, pode ser usada de diversas maneiras e ela ainda se decompõe. São inúmeros benefícios, mas se planto na orla do Brasil todo, pode afetar o turismo, por exemplo, por conta do cheiro. Já existem projetos de plantação em alto mar.
Cada vez mais perto do lançamento do tecido de algas no mercado
A startup ganhou uma bolsa no valor de 200 mil euros, o equivalente a R$ 1 milhão, para receber treinamento e suporte personalizado para acelerar o negócio pela GCA Impact Accelerator, ao lado dos parceiros KTH Royal Institute of Technology, em Estocolmo (Suécia) e The Mills Fabrica, em Hong Kong. Todo o prêmio está sendo aplicado para levar o tecido de algas ao mercado.
A primeira coisa que a gente precisa é colocar o produto no mercado. Estamos terminando o primeiro protótipo. Queremos que substitua a fibra de poliéster. São muitas etapas. Estamos fechando a formulação, mas ela vai precisar passar pelo maquinário que exige já outros detalhes, é bem trabalhoso.
Em resumo, é concluir o protótipo, chegar na escala de desenvolvimento e ir ao mercado para vender. Depois dessa etapa, é a pilotagem das fibras, o lote piloto, que são as bobinas para tecer o tecido.
Além da produção do tecido de algas, Thamires fala do networking e das reflexões que toda essa mudança proporcionou, apesar da sustentabilidade sempre ter sido parte integrada de seus projetos mais ambiciosos. A CEO vem se conectando com fábricas e clientes em vários países, como China, Portugal, EUA, Inglaterra e Índia.
Estamos fazendo também conexões com pesquisadores, além de fundações em prol da economia azul. Temos uma fashion agenda que precisa ser cumprida. O que a moda precisa fazer para se tornar mais sustentável? Ter transparência e rastreabilidade da matéria prima, assim como romper com trabalhos análogos à escravidão (primeiro patamar da cadeia).
Ela acrescenta:
Nesse momento, estou em desenvolvimento do meu produto e dessas diretrizes de produção para que culmine, de fato, em um ciclo fechado. Precisamos desenvolver uma cadeia inteira como foi feito com o algodão lá atrás. É cobrar um preço justo e entender que todo mundo vai crescer. Viabilizar a segurança alimentar, a financeira. E, com isso, naturalmente, melhorar toda a região.
Não há uma forma fácil de desbravar, abrir caminhos. Por mais que haja benefícios no cultivo de algas, só iremos lidar com o impacto dessa atividade ao longo dela. Thamires escolheu seguir em frente e acreditar no seu sonho. Enquanto conversávamos, ela lembrava de como alinhava o trabalho, suas descobertas e acompanhamento das experiências nos laboratórios da USP (Universidade de São Paulo). Olhando para trás, parte do caminho já foi percorrido, o que resultou em força e resiliência para os desafios ainda presentes.
Hoje é muito mais lucrativo trabalhar com turismo. O cultivo de algas ainda é um extra do período de defeso da pesca. Solidificar uma cadeia leva anos, vemos isso de forma clara. Hoje, mapeamos as necessidades. Uma delas, sem dúvida, é a necessidade de políticas públicas.
Além disso, tudo que é novo tem aquilo de compartilhar o conhecimento. No Brasil isso ainda é um grande desafio. Cultiva-se mas não se diz onde. É uma área tão vasta. Posso soar utópica, mas fomentemos algo muito maior a todos.
Mercado da Moda é o segundo mais poluente do mundo
Os grandes problemas da indústria da moda hoje relacionados aos materiais. Segundo levantamento publicado em 2022 pela Global Fashion Agenda, organização sem fins lucrativos, cerca de 92 milhões de toneladas de resíduos têxteis foram descartados nos últimos anos. A projeção é de um aumento de 60%, ou seja, mais de 140 milhões de toneladas nos próximos oito anos.
A moda é responsável por 10% das emissões de gases de efeito estufa, 24% de pesticidas e inseticidas, 35% dos microplásticos do oceano são resultados da nossa lavagem de roupas, alerta Thamires.
Segundo ela, as macroalgas operam dentro de um ciclo de vida circular, desde o cultivo da matéria-prima até o desenvolvimento da fibra e consequentemente do tecido – superando os desafios de sustentabilidade enfrentados pela indústria têxtil. Tudo comercialmente viável, escalável e alinhado às ODS da ONU.
Ela defende que a mudança de comportamento no consumo consciente da moda é a grande chave que também tem que virar e vê a Phycolabs como uma catalisadora de mudanças no setor.
Eu acredito muito nos novos materiais e nessa forma de fabricação. Acredito que a próxima geração de tecidos pode vir de resíduos, microorganismos, fungo. Provavelmente virá de fermentação. Eu penso muito em como a Phycolabs pode fazer a diferença para as pessoas. Em qual o valor que podemos entregar para essas pessoas, isso vai muito além do nosso produto.
Imitar a eficiência da natureza e a capacidade de eliminar os resíduos é o caminho mais promissor para alcançar soluções técnicas de alto desempenho para os desafios globais que estamos vivenciando.