Para atender as necessidades do pequeno agricultor na zona rural de Granja, cidade no Norte do Estado do Ceará, os estudantes Nycollas Guarinho e Ana Beatriz Ferreira de Sousa idealizaram um sistema de irrigação alternativo. Trata-se do Irriga PET, acessível e eficaz, capaz de fortalecer a agricultura familiar em tempos de seca. Com ele conquistaram, no final de 2022, o 1º lugar no Ceará faz Ciência, uma competição científica ligada à Secretaria da Ciência, Tecnologia e Educação Superior (Secitece).
Dentre os muitos aspectos, conhecidos por todos nós brasileiros, na região Nordeste, o que mais se destaca é a seca, causada pela escassez de chuvas, proporcionando pobreza e fome. O cinema nacional conseguiu trazer com genial leveza e seriedade essa questão com o “Auto da Compadecida”, retratando o sertão da Paraíba, também no Nordeste.
O Irriga PET e a agricultura familiar
Ele contém um protótipo de bomba que é simples, mas o resultado pode alterar de modo significativo a rotina de quem não pode comprar uma bomba hidráulica convencional para fazer a irrigação.
Trata-se de “um mini sistema de irrigação alternativo movido a uma bomba de pressão hidrostática, 900% mais barato e com rendimento de 65% de que um sistema convencional. Chegou-se a um modelo final utilizando garrafas de 2 litros como bomba geradora de pressão: foram obtidos resultados de pressão inicial de 22 PSI (libras por polegada quadrada) e um raio de lançamentos de 4,5 metros. Por fim, esse sistema foi implantado para demonstração em dez famílias de agricultores.” – site da FBJC (Feira Brasileira de Jovens Cientistas).
Surgimento do Irriga PET
A ideia surgiu em meio à pandemia e o projeto acompanhou Nycollas e Bia até o final do terceiro ano do Ensino Médio na Escola de Ensino Profissional Guilherme Teles Gouveia, um lugar de experimentação que estará para sempre marcado em suas trajetórias. Isto porque, foi durante uma aula que ele teve o ímpeto de sugerir um sistema de irrigação mais simples e barato que o convencional, muito distante ainda para o pequeno agricultor. Mas nada disso aconteceria se não fosse o apoio do professor André.
Estávamos na aula de Empreendedorismo e o professor nos pediu ideias que pudessem ajudar alguém. Não era ainda o professor André. Foi então que sugeri à Beatriz de fazermos um sistema de irrigação. Ela topou! A ideia foi aprovada na aula e fomos em busca do professor André para colocarmos em prática. Ele topou na hora e começou a nos ajudar a elaborar como iríamos fazer, segundo tal e tal lei da física, ele é muito inteligente!
O professor André é como se fosse um pai pra mim, porque ele sempre me ajudou, eu nunca me desgrudei dele. Na pandemia, eu não tinha como estudar online, mas ele me ajudava. O notebook que estou usando agora foi ele que me deu. Tanto dentro quanto fora da escola ele sempre me ajudou muito, eu agradeço a ele demais.
André Luís Rocha é professor de física e matemática na escola Guilherme Teles Gouveia. Ele também é o responsável na escola pelo desenvolvimento de projetos e participação em feiras e competições científicas.
Nycollas é espetacular, um menino muito bom, do bem. Ele pensa no futuro e se dedica em tudo o que escolhe fazer. Quando apresentei a ideia deles se tornarem pesquisadores e, com isso, a necessidade de terem um referencial teórico apurado, houve certa resistência. Mas depois dele entender que estamos nesta vida com a missão de ajudar o próximo, ele abraçou a ideia. Bia também é excelente! O período de desenvolvimento do projeto foi até mais desafiador para ela do que para os demais, Bia enfrentou problemas de saúde na família e chegou até a adoecer de covid, na época. Mas nunca desistiu. Eles viram a possibilidade de transformação do meio e, com isso, foram também transformados. – de forma inspiradora, relata o professor André.
Não teve jeito. Depois de grande repercussão em nossas redes sociais, convidamos Nycollas Guarinho e seu professor André Luís Rocha para nos falar mais sobre e ensinar a construir o premiado sistema de irrigação chamado Irriga PET.
Entrevista
Meio Sustentável: Nycollas fala um pouco pra gente sobre sua vida antes desse projeto: como você sente que esse olhar foi construído?
Nycollas Guarinho: Desde pequeno eu via algumas necessidades. Aqui só temos água para valer mesmo no tempo da chuva. Lembro de irmos até a venda no centro da cidade e ter poucos produtos para comprar. Minha família sempre tentou ajudar. Na minha antiga escola, havia doação de brinquedos e de cestas básicas. Eu acho que minha vida inteira acadêmica foi baseada nisso: em ver e tentar ajudar os que mais precisavam.
MS: O que o motivou?
NG: Faltava essa ajuda tanto da prefeitura quanto de outros órgãos para a galera que planta. Moro no interior do Ceará. A cidade é pequena e tem muita escassez de água. Então, a gente precisa dessas ajudas. Logo pensamos: vamos criar um sistema de irrigação que seja prático e fácil para o pequeno agricultor, para tentar ajudar essa galera; e graças a Deus deu muito certo.
MS: Que participação teve a Ana Beatriz, como foi isso? Vocês eram aqueles que competiam nas notas? Conta esse dia pra gente.
NG: A Bia era a melhor aluna da turma, a gente até competia ali, um pouquinho, mas eu nunca cheguei no nível dela, não (risos) Ela participou de toda a trajetória do projeto. A gente sempre foi colado, grudado em relação ao projeto. Eu até falei para ela sobre a entrevista, mas está com o tempo ainda mais reduzido por estar fazendo a faculdade e não pôde vir.
Participação em Feiras e Conhecimento teórico aplicado
MS: Como foi a participação nas Feiras e quando o projeto foi exposto pela primeira vez?
NG: Nossa escola sempre participava de Feiras. Para podermos participar de várias, o professor André montou duas equipes. Juntou Bia e eu para participarmos de 3 ou 4 feiras aqui no Ceará; e os outros 10 que participaram das nacionais e ganharam entre os dez melhores projetos do Brasil, na Feira da Samsung.
Foi testado várias vezes e aplicado oficialmente na escola pela primeira vez. A primeira feira em que participamos foi a “Ceará faz ciência”, em que ficamos em terceiro lugar. Só na participação seguinte que conseguimos o primeiro.
MS: Qual o conhecimento teórico vocês aplicaram?
NG: Professor André ensina física e matemática, então partimos da segunda e terceira leis de Newton e múltiplos de Pascal. Foi mais para o lado da física.
Funcionamento do sistema Irriga PET
MS: Como o Irriga PET funciona?
NG: Utilizando os canos de PVC, temos duas entradas. Uma para a água entrar por qualquer sistema que dê para ligar (como uma torneira) e outra para sair. Na parte que a água iria sair, colocamos uma válvula antes e a deixamos fechada. Ligamos e ela vai circular pela grade de cano. Como ela não vai conseguir sair, vai entrar nas duas garrafas encaixadas no cano com a boca virada para baixo. Vai chegar uma hora em que a água não vai mais conseguir entrar, por conta da pressão de ar de dentro das garrafas. Quando a gente vê que a garrafa já está dura, com pressão estável dentro, abrimos a válvula, pois essa extremidade estará ligada à plantação. Na saída acoplamos uma mangueira que vai estar no terreno e colocamos os micro aspersores, utilizamos 4 deles. Depois que utilizamos na escola, o André lembrou de uma agricultora que era parente de alguém na escola e conseguimos instalar para ela.
PROFESSOR ANDRÉ: O Irriga PET consegue irrigar até 50 metros quadrados de plantação. Ele foi projetado para a agricultura familiar. Com a estrutura das duas garrafas de 2 litros retornáveis em 20 metros de canos pvc (meia polegada), você pode acoplar até 100 metros de mangueira, se quiser. Nela, você precisa colocar os microaspersores, como Nycollas disse. Cada um dos quatro que utilizamos abrangeu cerca de 8 a 9 metros quadrados. Estamos aqui para tirar as dúvidas e ensinar pessoas que precisam desse sistema para sobreviver em épocas de seca.
Parcerias
MS: Quais as parcerias do projeto?
NG: No início do ano passado, conseguimos parceria com a Prefeitura para a produção de dez bombas para distribuir na comunidade. E com a Ematerce foi a parceria estratégica de planejamento, pois eles são detentores das informações mais detalhadas tanto dos agricultores, como da região em si.
PROFESSOR ANDRÉ: Todo projeto precisa de financiamento. Geralmente o que fazemos na escola é entendermos a situação, o problema apresentado. Depois, estudamos e procuramos a solução. No entanto, falta o incentivo financeiro para que as ideias sejam replicadas. Tudo acaba não ultrapassando a etapa da premiação, já que patentear é complicado por inúmeras questões. No dia em que recebermos o incentivo financeiro, a ideia é criar um fundo para o agricultor com o intuito de investir em tecnologia para o serviço dele. Com isso, eles poderiam comprar tudo.
Milho, tomate, alface, feijão, couve são exemplos de alimentos cultivados com ajuda da bomba d’água desenvolvida por esse grande time.
A Escola e a continuidade dos Projetos
A Escola continua a produzir soluções para a agricultura familiar. Com os últimos projetos, conquistaram o primeiro lugar nas duas maiores feiras da região: O Ceará Científico e Ceará Faz Ciência.
Há cinco anos no meio científico, já construímos o carro semeador, que abre a vala, coloca as sementes, o adubo e enterra, basta o agricultor apertar um botão e empurrar. Ano passado, criamos a tinta reflexiva a base de resina de cajueiro com vidro temperado, que não é reciclável. Aplicamos a tinta asfáltica de sinalização nas faixas de segurança ao redor da escola. Ela funciona como aquele “olho de gato” que vemos na estrada. Com ela, fomos premiados pela MAPFRE em São Paulo. Em 2023, foi a vez da enxada elétrica, conta o professor.
O papel do professor, como sabemos, vai além da sala de aula. André continua motivando estudantes a serem pesquisadores e trabalhar em favor da comunidade, como ele mesmo diz, do próximo. Cada um de seus projetos é para contribuir com a qualidade de vida do pequeno agricultor investindo no desenvolvimento de técnicas e ferramentas que melhorem o seu sistema de produção. Com tudo isso, não só potencializam o retorno financeiro, como investem em uma causa social, tornando-se uma chamada e tanto para investidores.
Para quem é da agricultura familiar e ainda tem dúvidas sobre o Projeto, pode entrar em contato com o professor André, que se disponibilizou a ajudar, claro, dentro das possibilidades de seu tempo.
Prof. André Luis Rocha
Whatsapp 088 – 98869 7007
Email [email protected]
No site da FBJC (Feira Brasileira de Jovens Cientistas), você encontra um vídeo demonstrativo de todo o Projeto, vale a pena conferir!